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Por que o Congresso despreza os pobres? Seus gritos não atravessam os plenários

Publicado dia 03/07/2025 às 12h19min
Pesquisa mostra que os brasileiros querem um sistema tributário progressivo, mas o Parlamento age na contramão

Artigo de Washington Araújo - Jornalista, escritor e professor. Mestre em Cinema e psicanalista. Pesquisador de IA e redes sociais. Apresenta o podcast 1844, Spotify.

Começo este artigo com uma pergunta que ecoa como um grito abafado: por que o Congresso Nacional, eleito para representar o povo, parece tão mega desconectado dos anseios dos mais pobres?

Como jornalista, pesquisador e professor universitário, já vi muitas vezes a balança da justiça pender para quem tem mais poder econômico. Tendo trabalhado no Senado Federal por mais de 19 anos, observo que está acontecendo no Congresso brasileiro muito mais do que uma inclinação: é uma ofensiva deliberada contra os interesses de quem ganha até dois salários mínimos, de motoristas de aplicativo, terceirizados, mães solo, trabalhadores informais e desempregados. 

É inegável que Suas Excelências, majoritariamente abastadas, protegem seus privilégios. Projetos de lei que desafiam sua visão patrimonialista, ameaçando sua fortuna, são enfrentados como ataques diretos, perpetuando a exclusão dos pobres, cujas vozes ecoam sem resposta no Congresso.

Essa frase ressoa enquanto analiso cinco projetos de lei que, se aprovados, poderiam elevar significativamente a qualidade de vida dos mais pobres, mas que estão parados, arquivados ou avançam a passos de tartaruga na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. 

Esses projetos, aliados a uma radiografia das bancadas parlamentares e dos lobbies que dominam o Congresso, revelam uma verdade incômoda: os pobres não têm porta-vozes. Os interesses dos ricos – agropecuaristas, banqueiros, industriais e aliados das bancadas da Bíblia e da Bala – prevalecem, enquanto a maioria da população segue sufocada por impostos regressivos e políticas que perpetuam a desigualdade.

Cinco projetos de lei que poderiam mudar vidas, mas estão travados
1. PDL sobre a suspensão do aumento do IOF (2025)

Em 25 de junho de 2025, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 214/2025), de autoria do deputado Zucco (PL-RS), que suspendeu os efeitos de três decretos presidenciais (12.466/2025, 12.467/2025 e 12.499/2025) editados pelo governo Lula para aumentar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). 

Esses decretos, anunciados a partir de 22 de maio de 2025, visavam arrecadar até R$ 30 bilhões em 2025, taxando operações financeiras, incluindo investimentos no agronegócio e no setor imobiliário, para compensar a isenção de Imposto de Renda (IR) para rendas até R$ 5 mil mensais (PL 1087/2025). A votação relâmpago, anunciada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na noite de 24 de junho, pegou o governo de surpresa e consolidou uma derrota significativa do Executivo.

Tramitação: Na Câmara dos Deputados, o PDL foi aprovado em 25 de junho por 383 votos a 98, em uma sessão semipresencial esvaziada devido às festividades de São João. O substitutivo do relator, deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO), ampliou o escopo do projeto original (PDL 314/2025), sustando os três decretos presidenciais. No mesmo dia, o Senado aprovou o texto por votação simbólica, com votos contrários apenas dos senadores do PT, sob relatoria do senador Izalci Lucas (PL-DF). O projeto foi promulgado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), em 25 de junho, tornando sem efeito as alterações no IOF. A celeridade da tramitação reflete a força dos lobbies do agronegócio, do mercado financeiro e de setores industriais, que pressionaram pela manutenção de isenções fiscais.

Impacto: A derrubada dos decretos do IOF restabeleceu as alíquotas anteriores, reguladas pelo Decreto 6.306/2007, e reduziu a arrecadação prevista em R$ 10 bilhões para 2025, segundo o governo, forçando um contingenciamento adicional de R$ 12 bilhões no orçamento. Isso ameaça programas sociais como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Pé-de-Meia, além de emendas parlamentares, com um corte estimado de R$ 2,7 bilhões em 2025. A suspensão impede uma redistribuição tributária mais progressiva, mantendo a carga fiscal desproporcional sobre os pobres e a classe média, que pagam altos impostos sobre consumo (ICMS, PIS, Cofins), enquanto setores financeiros e do agronegócio preservam benefícios fiscais. A medida foi criticada por deputados como Tarcísio Motta (Psol-RJ), que destacou que o IOF ajustado incidia apenas sobre operações de crédito de pessoas jurídicas, tornando o sistema tributário mais justo.

2. Isenção de Imposto de Renda até R$ 5.000 mensais (PL 1087/2025)

Apresentado em 18 de março de 2025 pelo Poder Executivo, esse projeto cumpre promessa de Lula e prevê isenção total de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês a partir de 2026, com descontos parciais entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Beneficiaria 10 milhões de brasileiros, somando-se aos 20 milhões isentos desde 2023. A renúncia fiscal de R$ 25,84 bilhões seria compensada taxando altas rendas (acima de R$ 50 mil mensais) e dividendos, hoje isentos.

Tramitação: Parado na Comissão Especial da Câmara, sem avanços, enfrenta resistência de parlamentares ligados a bancos e empresas, que temem tributar dividendos.

Impacto: Para um motorista de aplicativo (R$ 3.650), a economia seria R$ 1.058 anuais; para uma professora (R$ 4.867), R$ 2.604. Essa renda extra significaria mais comida, saúde ou educação para os filhos.

3. Limitação do ganho real do salário mínimo (PL 4614/2024)

Parte do pacote de ajuste fiscal do governo, apresentado em 27 de novembro de 2024, esse projeto vincula o reajuste do salário mínimo à inflação e a um ganho real de 0,6% a 2,5%, dentro do arcabouço fiscal. 

A proposta busca garantir poder de compra para 50 milhões de brasileiros que dependem do mínimo, mas enfrenta críticas por limitar ganhos reais. 

Tramitação: Está na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, sem previsão de votação. A lentidão reflete a pressão de setores que temem aumento de custos trabalhistas, como a indústria e o agronegócio.

Impacto: Um salário mínimo mais robusto elevaria a renda de trabalhadores informais, aposentados e beneficiários de programas sociais, reduzindo a pobreza extrema.

4. Controle de incentivos tributários (PLP 210/2024)

Apresentado em 2024, esse projeto de lei complementar impõe travas ao crescimento de renúncias fiscais, que em 2024 ultrapassaram R$ 400 bilhões, beneficiando majoritariamente grandes empresas e setores como o agronegócio. A proposta permite usar superávits de fundos públicos para abater a dívida, aliviando o orçamento para investimentos sociais. 

Tramitação: Aprovado na Câmara em dezembro de 2024, está no Senado, mas sem relator designado. A resistência vem de lobbies do agronegócio e da indústria, que defendem a manutenção de isenções.

Impacto: Redirecionar esses recursos para saúde, educação e habitação atenderia diretamente às necessidades dos mais pobres, que não se beneficiam das atuais renúncias fiscais.

5. Tributação mínima de multinacionais (PL 3817/2024)

Apresentado em 2024, esse projeto cria um adicional na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para garantir uma tributação mínima de 15% para multinacionais com faturamento acima de €750 milhões. A medida segue um acordo global contra a erosão tributária e poderia gerar bilhões para políticas públicas. 

Tramitação: Aprovado na Câmara, está no Senado, mas sem avanços desde o início de 2025. A oposição de setores industriais e financeiros trava a discussão.

Impacto: A arrecadação extra poderia financiar programas como o Bolsa Família, que beneficia 21 milhões de famílias pobres.

A radiografia das bancadas e os lobbies que mandam no Congresso - O Congresso brasileiro é dominado por bancadas que representam interesses específicos, raramente os dos pobres. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), com cerca de 300 deputados e 40 senadores, defende isenções fiscais para o agronegócio, que em 2024 consumiu R$ 80 bilhões em renúncias. A bancada evangélica, com cerca de 200 parlamentares, prioriza pautas morais, mas muitas vezes alinha-se aos interesses econômicos da FPA. A bancada da Bala, com cerca de 50 membros, defende a indústria de armas, enquanto a bancada empresarial, ligada à Confederação Nacional da Indústria (CNI) e à Febraban, resiste a qualquer tributação sobre lucros e dividendos.

Esses grupos formam uma rede de influência que marginaliza os sem-voz: os 70% da população que vivem com até dois salários mínimos. Parlamentares como Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, falam em “responsabilidade fiscal”, mas defendem vetos a tributações sobre fundos imobiliários e do agronegócio, beneficiando elites. A liberação de R$ 1,72 bilhão em emendas parlamentares em um único dia, em 24 de junho de 2025, é um exemplo escandaloso de como o Congresso prioriza interesses próprios sobre o bem comum.

A dificuldade de encontrar porta-vozes para os pobres - Quem defende o motorista de aplicativo que trabalha 12 horas por dia? Ou a mãe solo que depende do Bolsa Família? No Congresso, esses brasileiros são invisíveis. A pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) mostra que 70% dos eleitores apoiam taxar mais os ricos e menos os pobres, mas o Parlamento ignora esse clamor.

Um consórcio internacional, incluindo a FGV, investiga desde 2024 como a elite política reproduz a riqueza, e os dados preliminares são claros: parlamentares protegem suas redes de influência, que incluem fazendeiros, banqueiros e industriais.

Os lobbies do agronegócio, bancos e indústria de armas operam com eficiência. A FPA, por exemplo, articulou a aprovação de isenções para agrotóxicos e insumos agrícolas na reforma tributária, enquanto a Febraban pressiona contra a tributação de dividendos. 

A bancada da Bíblia, embora focada em pautas conservadoras, muitas vezes apoia medidas que favorecem os ricos, como a manutenção de supersalários no Judiciário. A bancada da Bala, por sua vez, garantiu a exclusão de armas do Imposto Seletivo, beneficiando a indústria armamentista.

A tributação regressiva e a farsa da “justiça fiscal” - O sistema tributário brasileiro é uma máquina de desigualdade. Enquanto os pobres pagam até 30% de sua renda em impostos sobre consumo (ICMS, PIS, Cofins), os ricos, com rendas de dividendos e lucros, enfrentam alíquotas efetivas de apenas 2,54%. O governo propôs taxar dividendos acima de R$ 50 mil mensais em 10% e elevar o IOF sobre investimentos, mas essas medidas enfrentam resistência feroz. A tentativa de rediscutir supersalários e renúncias fiscais é tratada como tabu, pois afeta diretamente a elite parlamentar e seus aliados.

A narrativa dos parlamentares ‘antipobres’ é astuta: eles dizem que “o Brasil tributa muito”, mas omitem que quem paga são os pobres e a classe média. A proposta de isenção do IR até R$ 5 mil é chamada de “eleitoreira” por opositores como Samuel Pessôa, que defendem ajustes fiscais que preservem os privilégios dos ricos. Enquanto isso, o Congresso aprova emendas bilionárias e mantém isenções para setores que não precisam delas.

Um Congresso que não escuta o povo - O que me choca, como cidadão, é a desconexão entre o Congresso e a população que o sustenta. A pesquisa do CEM mostra que os brasileiros querem um sistema tributário progressivo, mas o Parlamento age na contramão.

A ofensiva contra o IOF, a lentidão na tramitação de projetos como o PL 1087/2025 e a proteção aos supersalários revelam um Legislativo capturado por lobbies. Os pobres, que pagam impostos indiretos em cada pão que compram, não têm quem os represente.

A pergunta final não é apenas por que o Congresso não gosta de pobres, mas por que continuamos permitindo que ele ignore os sem-voz. A resposta está em nossas mãos: exigir que o Congresso represente o povo, não os lobbies, e pressione pela aprovação de projetos que promovam justiça social. Até lá, os ricos seguirão livres de pagar o que os pobres já arcam, e o Brasil permanecerá refém de uma democracia desigual.

Site 247

 

 

Fonte: 247

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